O livre exercício profissional constitui um direito das prerrogativas dos advogados, presente na Constituição Federal em seu artigo 133 e no artigo 2º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB, que claramente estabelecem que o “advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável seus atos e manifestações no exercício da profissão”.
Assim, é importante afirmar a função social do advogado[1], quanto a sua indispensabilidade de sua atuação na sociedade, inclusive seu papel fundamental para alcançar o Estado Democrático de Direito.
Garantir a atuação profissional do advogado, é também garantir sua sustentação material ao ser remunerado de forma compatível com o trabalho realizado [2], pois são os honorários que garantem a subsistência do profissional e de sua família.
Sempre houve discussões dentro do Poder Judiciário quanto ao recebimento dos honorários advocatícios equiparados a verba de caráter alimentar nos mesmos moldes da legislação trabalhista, não havia um entendimento uníssono. Com a atualização do Código de Processo Civil em 2015, depois de muita luta e atuação direta da OAB nas discussões, passou a constar expressamente no artigo 85, §14, que os honorários advocatícios são verbas de caráter alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. […]
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
No final do mês passado, em junho de 2024, foi iniciado no Supremo Tribunal Federal – STF- julgamento do RE – com repercussão geral – relativo ao Tema 1.220[3], que tem como finalidade fixar a tese de repercussão geral que reconheça a constitucionalidade formal do artigo 85, § 14, do Código de Processo Civil.
O caso discutido em específico, trata-se do recurso interposto contra decisão do TRF da 4ª Região[4], envolvendo a interpretação do artigo 85, § 14, do Código de Processo Civil à luz do artigo 186 do Código Tributário Nacional. O dispositivo processual estabelece que os honorários têm natureza alimentar e possuem os mesmos privilégios dos créditos trabalhistas. Por sua vez, o dispositivo tributário afirma que o crédito tributário prefere qualquer outro, exceto os créditos decorrentes da legislação trabalhista.
O julgamento do RE relativo ao Tema 1.220 deve validar a preferência aos honorários advocatícios contratuais em relação ao crédito tributário.
Até o momento, apenas o Ministro Dias Toffoli proferiu seu voto, que foi no sentido de que os honorários têm preferência sobre créditos tributários, para ele, o dispositivo discutido estabelece que os honorários advocatícios têm natureza alimentar e desfrutam dos mesmos privilégios dos créditos provenientes da legislação trabalhista, sendo essenciais para a subsistência dos advogados e seus familiares.
O ministro enfatizou a necessidade de harmonizar a tributação com a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais. Segundo Toffoli, uma abordagem humanista no direito tributário é crucial para resolver disputas desse tipo[5].
Toffoli concluiu que a inclusão dos honorários advocatícios na lista de créditos preferenciais em relação aos tributários, conforme o Código de Processo Civil – CPC, está de acordo com a Constituição. Ele defendeu que o legislador ordinário não excedeu sua competência ao editar o dispositivo, pois apenas aplicou uma norma já estabelecida pelo CTN.
Assim, ao final do seu voto, Dias Toffoli posicionou-se a favor do provimento do recurso extraordinário[6], reconhecendo a prioridade dos honorários advocatícios contratuais sobre os créditos tributários, seguindo o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil sobre o tema.
Logo após seu voto, o julgamento foi suspenso devido ao pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes. É notável que se trata de tema sensível e importantíssimo para a classe advocatícia, assim, acompanhar-se-á o julgamento que deve retornar a pauta do Supremo Tribunal Federal – STF, em breve.
Autoria: Francielle Scheffer, advogada, Pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil, atual Presidente da Associação Voluntariando, membro do Grupo de Estudos em Direitos Humanos da PUC PR, membro Relatora da Comissão de Defesa das Prerrogativas Profissionais da OAB/PR.
Referências:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6174725
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
[1] EAOAB – Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
[2] O art. 7º da Lei nº 8.906/94 prevê que o advogado tem direito de exercer, com liberdade, a profissão e tem direito à “inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho(…)”; o art. 22, § 2º, da mesma lei, desde sua redação originária, preconiza que, “na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho (…)”; o art. 15, § 12, por sua vez, consigna a possibilidade de não só a sociedade de advogados, mas também a sociedade unipessoal de advocacia, “ter como sede, filial ou local de trabalho espaço de uso individual ou compartilhado com outros escritórios de advocacia ou empresas (…)”.
[3]STF: RE 1326559 – Recurso Extraordinário. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6174725 >. Acesso em 08 de julho de 2024.
[4] “O Tribunal Regional Federal da 4ª região decidiu que não deveria ser reservada uma parte dos honorários advocatícios contratados na quantia penhorada para pagar um crédito tributário da Fazenda Pública. Essa determinação ocorreu durante a execução de uma sentença relacionada à recuperação de créditos de empréstimo compulsório sobre energia elétrica. A justificativa da decisão do tribunal foi baseada na consideração de que o artigo 85, parágrafo 14 do Código de Processo Civil, em parte inconstitucional sem redução de texto, não permite o pagamento preferencial dos honorários advocatícios em relação ao crédito tributário. Além disso, o colegiado fundamentou sua posição em um precedente da sua Corte Especial (5068153-55.2017.4.04.0000)”. Disponível em < https://www.migalhas.com.br/quentes/410508/stf-para-toffoli-honorarios-tem-preferencia-sobre-credito-tributario > . Acesso em 08/07/2024.
[5] “Penso que a visão humanista do direito tributário também pode servir de importante guia para o deslinde da presente controvérsia. Afinal, aqui estão em jogo, de um lado, créditos de natureza tributária e, de outro, honorários advocatícios, que, como se verá, são de extrema importância para a vida digna dos advogados e de suas famílias.” (trecho do voto) Disponível em < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6174725 > . Acesso em 08 de julho de 2024.
[6] DISPOSITIVO Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, para reconhecer a preferência aos honorários advocatícios contratuais em relação ao crédito tributário. Proponho a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “É formalmente constitucional o § 14 do art. 85 do Código de Processo Civil no que diz respeito à preferência dos honorários advocatícios, inclusive contratuais, em relação ao crédito tributário, considerando-se o teor do art. 186 do CTN”. É como voto. (parte Dispositiva do voto do Ministro Dias Toffoli). Disponível em < https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/7/635BF2DAC1E748_6024313.pdf > . Acesso em 08 de julho de 2024.