Edson Luiz Facchi Jr1
As prerrogativas profissionais do advogado e o tribunal do júri são dois temas bastante sensíveis e que merecem atenção. De um lado, temos que as prerrogativas se consubstanciam, em verdade, em direitos do advogado, previstos na Lei n. 8.906/1994, que garantem o livre exercício da profissão em todo o território nacional (art. 7º, I), com autonomia e independência, sem qualquer tipo de subordinação (art. 6º).
De outro lado, o Tribunal do Júri é instituição milenar, e simboliza o ápice da democracia dentro do Poder Judiciário: é a aproximação do povo e a da justiça, com a participação direta da sociedade na aplicação das leis. É, essencialmente, uma instituição garantista, como bem define Bretas (BRETAS, 2017, p. 224), ocupando lugar no art. 5º, da Constituição Federal, garantindo-se: (i) a plenitude de defesa; (ii) o sigilo das votações; (iii) a soberania das votações; e (iv) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (inciso XXXVIII).
Portanto, como se percebe, o rito do júri é cercado de garantias que lhe são peculiares, distintamente dos ritos outros. A plenitude de defesa potencializa a já garantida ampla defesa (inciso LV), considerada como aquela que “deve ser completa, perfeita, absoluta, ou seja, deve ser oportunizada ao acusado a utilização de todas as formas legais de defesa possíveis, podendo causar, inclusive, um desequilíbrio em relação à acusação” (SILVA e AVELAR, 2020, p. 138).
Podemos concluir que a plenitude de defesa abarca, tal como a ampla defesa, a autodefesa – exercida, resumidamente, pelo direito de petição, direito de recorrer pessoalmente e o interrogatório – e, para o que nos importa no tema, a defesa técnica. Como corolário da plenitude de defesa, a defesa técnica exercida no rito do júri deve não pode ser meramente protocolar. O advogado, ao contrário, deve agir de acordo com a melhor técnica jurídica, maximizando a exploração de todos os meios de defesa.
Tão importante a atuação firme da defesa técnica no tribunal do júri que a ausência de defesa efetiva é causa de nulidade que pode ser reconhecida pelo Juiz Presidente (STJ, RHC 51.118/SP, Rel. Felix Fischer, j. em 11/06/2015).
E é sob essa perspectiva, da plenitude de defesa, e neste cenário, no tribunal do júri, que a atuação firme do advogado no plenário do tribunal do júri não raras vezes gera reação da parte contrária e, por vezes, do próprio juiz presidente, que pode configurar violação às prerrogativas profissionais, o que não pode, em hipótese nenhuma, ser tolerado.
Sempre quando se fala no direito dos advogados, é preciso remontar ao art. 133, da Constituição Federal, que preconiza que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da sua profissão. Para resguardo e garantia de tal previsão constitucional, a Lei n. 8.906/1994, estabelece, ao longo dos artigos 6º ao 7º-B, o rol das prerrogativas profissionais. Portanto, as prerrogativas do advogado não constituem privilégios, mas direitos de uma classe que desempenha papel essencial na concretização de um Estado Democrático de Direito.
No júri, “não é incomum que advogados, no exercício profissional, sejam insultados pessoalmente nas sessões plenárias por membros do Ministério Público na acusação, como noticiado nos meios de comunicação, utilizando termos demasiado pejorativos que ferem a dignidade profissional e pessoal para desmoralizar e descredibilizar a defesa” (BRASIL e BISPO, 2025, p. 24).
Problema maior do desrespeito às prerrogativas profissionais no plenário do júri é o prejuízo para além da figura do advogado: o prejuízo que perpassa ao próprio constituinte, que será julgado pelo conselho de sentença composto de pessoas leigas e que não fundamentam sua decisão.
Não por outro motivo, nesses casos, a medida a ser imposta, se a violação das prerrogativas não cessar, ou, ainda, se a violação resultar em prejuízo irreparável ao constituinte, é a dissolução do conselho de sentença, com a nulidade dos atos praticados. Foi neste sentido, inclusive, o acórdão proferido no bojo da Apelação Criminal 0003621-16.2016.8.16.0101, de relatoria do Des. Gamalial Seme Scaff, julgado em 11/07/2024, que anulou – acertadamente – a sessão de julgamento, em caso emblemático onde o advogado de defesa foi ofendido e chamado de “palhaço”. Segundo o relator, “quando o representante do Ministério Público durante a Sessão Plenária passa a desferir insultos pessoais ao advogado, chamando-o de “palhaço” por diversas vezes”, “a imagem desse profissional se desvanece perante os Jurados, prejudicando sua atuação em defesa de seu cliente e isso porque tal ofensa foi proferida pelo condutor do jus puniendi estatal o qual se assenta ao lado do Juiz Presidente do Tribunal do Juri, ao contrário do advogado que remanesce na solidão de sua cadeira no plenário ao lado do réu”.
Lamentavelmente, a anulação do julgamento foi reformada em sede de Agravo em Recurso Extraordinário n. 1.338.125, interposto pelo Ministério Público, perante o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida pelo Min. Flávio Dino, por entender que a anulação do júri seria “medida desproporcional, que acaba por penalizar não o agente responsável pela má conduta, mas sim a sociedade, o sistema de justiça e, sobretudo, a vítima e seus familiares”. Segundo o ministro, o comportamento do membro do Ministério Público, no júri, deve ser objeto de apuração disciplinar junto à Corregedoria do Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça. Impende ressaltar que, contra a decisão, fora interposto Agravo Regimental, que está pautado para julgamento no Plenário Virtual, perante o STF, do dia 22/08/2025 a 29/08/2025, oportunidade na qual a Turma poderá se debruçar, de forma colegiada, sobre o caso.
De qualquer forma, a constatação da violação das prerrogativas, aliada à imediata sanção do ofensor devem ser medidas imperativas, como efetivação dos direitos dos advogados no exercício da plena defesa de seus constituintes no tribunal do júri, preservando-se, em verdade, o próprio sistema de funcionamento de justiça.
Referências bibliográficas:
BRETAS, Adriano. Apontamentos de Processo Penal. Curitiba: Sala de Aula Criminal, 2017.
SILVA, Rodrigo Faucz Pereira; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi. Manual do tribunal do júri. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
BRASIL, K. P. G. F.; BISPO, N. T. R. As prerrogativas do advogado e a plenitude de defesa no Tribunal do Júri: Limites e garantias. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 33, n. 391, p. 22–25, 2025.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gv.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2025.
BRASIL. Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília: Presidência da República, 1994. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 20 ago. 2025.
PARANÁ. Tribunal de Justiça. Recurso de apelação n.º 0003621-16.2016.8.16.0101. Apelação criminal. Relator: Desembargador Gamaliel Seme Scaff, julgado: 11 jul. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/07/Acordao-TJPR-3.pdf. Acesso em: 20 ago. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1388125/PR. Relator: Ministro Flávio Dino. Julgado: 18 jun. 2025. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6423146. Acesso em 20 ago. 2025.
- Advogado criminalista. Mestre em Direito. Professor de Processo Penal na UniOpet. ↩︎